domingo, 5 de dezembro de 2010

Grandeza de Areia


Escrita em 2003

Meu Castelo de Areia desabou
Passou um vento forte e o levou
Desfez tudo, num sopro: a dor

Dentro do castelo um homem corria em círculo atrás do próprio rabo. 
Na sala redonda, escura, sem janelas a luz de um lampião. 
Correndo, correndo, nada encontrando.
Correndo, correndo, nada se movendo.
Castelo feito de sonhos de grandeza, material ilusório, tijolos de areia.
Nada à volta, nada no tempo!
Parado sempre correndo. 
Correndo fugindo, correndo morrendo, correndo caindo. 
Voando sem solo, quase sem ar, nada dizendo.
Criando sentimentos, vinho, e pó. 
Embriagando-se de pontos de vista, respostas constantes. 
Criando paredes imensas da grandeza de areia.

Ah! Grandeza de Areia!
Como eras imensa, farta e bela!
Inteligente, sedenta de grandes esferas, serena na sua paralisia esbelta!
Correndo no teu campeonato
Fui ser o melhor corredor, o maior ator
Devotei-me a ti
Correndo até o mar, correndo para poder te amar
Fiz o que querias
Amando sem fim, a grandeza sem mim

A corrida sendo o meu sustento, da minha vida tudo levou
Fôlego, dinheiro, amor, toda a cor
Fiquei além da terra, além do tempo
Moldando as entregas, movendo-me sem movimento

Finalmente o estandarte da morte soou, sua fatídica melodia. 
Estrondo no tempo, terremoto no espaço, um vendaval pestilento. 
Desfez o castelo de sonhos de grandeza de um menino piolhento.

A corrida acabou!

Triste sofrimento, impossível a fala, o eco de qualquer pensamento. 
Salvar este agora sem casa, sem teto, só, com seu antigo costume: o frenético movimento.
Só, e agora mais um. 
No meio de tudo, no meio do nada, num deserto, num Saara. 
Na selva de pedra, procurando por água.

Dentro do pequeno e antigo castelo o pseudo-poder corrompia todo o seu ser.
A corrida corria em torno de si mesma. 

Mesmo que parecesse rápida, era abafada, lenta e parada. 
Mesmo os mais recônditos lugares do espírito atrelados aos incisivos tentáculos do controle.
Mesmo a verdade dos sábios turvada por uma névoa poeirenta. 
Mesmo em movimento nada se movia.

Dançar a dança do castelo é compor uma sorte com riso de morte, com cheiro de estrume, com presságios sem sorte.

Foi o que aconteceu!

Num show ao vivo, uma queda elegante, uma fratura exposta, para engessar-se de morte.
Antes da queda, na casa redonda, no círculo distinto, presenças entravam e saiam.
Ninguém ficava, pois nada parava a corrida! 
Quem logo via não suportava a agonia e saia. 
Brigada, mal amada ou expulsa.

De tudo valia!Para manter a febre daquela histeria.

Mas o castelo caiu.
O homem se viu.
Tudo veio.
Estrume, sal e pó.
Secura e uma voz com entorse. 
Um terremoto quebrando o escroque.
Torcendo tudo bem no meio. 
Acabando com aquele festival agourento, com aquela corrida sem sorte.